Como essa ciência impacta o cotidiano e a aplicação das esquadrias
Por Stephanie Fazio
Impactar a saúde e o bem-estar de seus usuários, trazendo mais qualidade de vida às pessoas, esse é o objetivo da neuroarquitetura. Essa ciência defende a ideia de que o espaço físico pode afetar as interações entre os neurônios, fazendo com que se reforce ou crie conexões positivas ou transmita reações negativas.
De acordo com o portal Construtora JN, o objetivo maior é desenvolver ambientes confortáveis e relaxantes, que gerem impactos positivos nas pessoas, como maior produtividade, concentração, relaxamento e qualidade em cada atividade cotidiana.
Um levantamento feito pela Archademy, maior comunidade de negócios do segmento de arquitetura e design de interiores, mostrou que, em 2021, 95,5% dos profissionais dessas áreas relataram crescimento de demanda para reforma em ambientes residenciais. Entre os principais pedidos, a adequação do layout geral da casa foi relatada por 67,4% dos entrevistados; adequação da casa para home office por 65,8%; e 58,4% foram procurados para alterar os espaços de convivência.
Danilo Duarte, diretor executivo da Conecta Reforma, startup que conecta proprietários de imóveis com prestadores de serviço para execução de grandes reformas, concorda que essa procura tem o impacto do crescimento do trabalho remoto após a pandemia, mas observa que as pessoas estão percebendo cada vez mais a necessidade de ter um espaço otimizado, funcional e que transmita conforto.
Nesse caso, segundo ele, o efeito positivo é ainda maior do que nos escritórios ou sedes de empresas. “Como é exclusivo para uma ou poucas pessoas, o arquiteto vai estudar o perfil e necessidades dos moradores da casa e criar as soluções adequadas de acordo com esses perfis, adequando desde a planta da casa, até pequenos detalhes de decoração ou posição dos móveis”, afirma.
ORIGEM E PERSONALIZAÇÃO
A neuroarquitetura surgiu através dos trabalhos do neurocientista Fred Gage e do neurocientista e arquiteto John Paul Eberhard, desenvolvidos nos anos 90. Esses estudos abordavam a plasticidade neuronal, avaliando a capacidade de criar, reforçar ou interromper sinapses, sendo afetada pela percepção do cérebro sobre o meio ambiente, segundo o portal Projetou.
Com base nesses estudos, em 2003, fundaram a Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA), localizada em San Diego, na Califórnia. Assim, as discussões sobre o tema se tornaram cada vez mais relevantes, sendo empregadas dentro dos campos de arquitetura, urbanismo e design de interiores.
“Os estudos trazem evidências concretas e mensuráveis de que a qualidade do ambiente interfere de maneira drástica nas nossas vidas, mesmo quando não percebemos de forma consciente. Um ambiente bem elaborado, focado em seus habitantes, não modifica apenas um comportamento, mas também a estrutura do cérebro, produzindo mudanças comportamentais”, explica Claudia Roxo, arquiteta da comunidade Archademy.
Existem diversas formas de aplicar soluções da neuroarquitetura nos interiores. Uma delas é por meio do estímulo dos cinco sentidos, por exemplo, com a psicologia das cores e utilizando aromas que instiguem o olfato e texturas que proporcionem aconchego por meio do tato, conforme o site da Construtora JN.
“Somos indivíduos diferentes e a forma como vamos reagir a determinado estímulo pode variar de acordo com as nossas memórias pessoais, culturais e primitivas. Por isso, é importante um olhar atento para entender quem é o usuário e buscar elementos que tragam conexão e significado para ele”, afirma a arquiteta.
Hoje, o bem-estar em ambientes de trabalho está relacionado ao aumento da produtividade. “O primeiro ponto para implantar um projeto utilizando conceitos de neuroarquitetura é focar no usuário desse ambiente. Quem são? O que fazem? Qual a cultura deles? Assim identificar quais estímulos poderiam influenciar de forma positiva”, analisa Claudia.
Segundo a profissional, em seguida, entram algumas questões espaciais, como, por exemplo, a utilização do pé-direito alto, que estimula a concentração, criar ambientes humanizados, que promovem a conexão do usuário, fugindo do conceito antigo de “baias” de trabalho iguais, criando um espaço sem identidade. Ter o controle sobre o ambiente também é uma forma de gerar conexão, como por exemplo, algumas empresas que fornecem verba para os colaboradores decorarem sua mesa de trabalho e poder ter acesso ao controle de temperatura do ambiente.
“Ter espaços diferenciados para diversas rotinas do dia, como um local de café para descompressão, ter locais para leituras mais concentradas ou conversas telefônicas reservadas”, descreve a arquiteta.
O PAPEL DAS ESQUADRIAS
As portas e janelas em uma edificação têm como premissa controlar a qualidade de iluminação e ventilação de um ambiente. “Quando pensamos em neuroarquitetura, a luz natural tem uma função importantíssima para nosso bem-estar, que é perceber a passagem do tempo através da iluminação solar. O nosso organismo é guiado por um ciclo interno, circadiano (mudanças dos estados mentais e físicos que ocorrem em cerca de 24 horas) e, diferentes hormônios são liberados de acordo com determinado horário do dia”, observa Claudia.
Em sua opinião, essa é uma questão que interfere bastante na saúde, pois com a energia elétrica os ciclos são diferentes do natural. Além disso, com uma boa iluminação, é possível estimular a atenção, complementa.
Se a vista for para um jardim, um espaço de natureza, o tema entra no campo da biofilia. “Estudos nessa área apontaram que temos uma necessidade primitiva de estar em contato com a natureza. E ter esse tipo de estímulo ajuda no conforto, no estresse, tensão muscular e aumenta a capacidade de focar”, informa Claudia.
Ainda na questão da produtividade, ela comenta que nosso cérebro é um músculo e se cansa. Então, é importante, durante a jornada de trabalho, fazer pequenas pausas, para que ele relaxe e volte a trabalhar mais atento.
Com relação à acústica dos ambientes, a esquadria, quando bem executada, também tem a função de vedar a entrada de ruídos sonoros, um problema intenso nas grandes cidades. “Indo agora para um lado mais fenomenológico da arquitetura, conforme abordado por Juhani Pallasmaa, no seu livro Habitar, protegidos do mundo externo dentro da nossa casa, olhamos pelas janelas e sonhamos. As janelas têm o poder de nos inspirar”, reflete.
APLICAÇÃO
Também é importante pensar na neuroarquitetura em ambientes residenciais. O ato de habitar um espaço vai além dos seus aspectos práticos de residir, tem também a parte simbólica que organiza todo o mundo desse habitante, de acordo com Claudia. Com isso, não se deve focar apenas nas necessidades físicas, mas também nas mentais, como memórias, sonhos e desejos. “A essência poética de um lar não pode ser ameaçada pela funcionalização e a estetização”, afirma a arquiteta.
“Quando desenvolvo projetos residenciais, acho fundamental a participação do cliente no processo de criação. E aqui volta a questão de trabalhar com as memórias pessoais, que trarão estímulos positivos para o cliente”, conta Claudia.
Projetos residenciais têm um grande potencial de melhorar o comportamento e as rotinas das pessoas, “já vi questões em que a família começou a se reunir mais porque o espaço da sala ficou mais agradável ou pessoas que conseguiram melhorar a alimentação depois que reformam a cozinha”, relata. Arquitetos e designers sempre compreenderam o poder benevolente da beleza espacial nas vidas e, agora, o benefício é comprovado pelos estudos da neuroarquitetura, menciona.
A profissional menciona como exemplo o apartamento residencial na Av. Angélica, na capital paulista. “Nossa cliente tinha um monte de livros que eram de seus pais, ela não iria ler nenhum, mas não gostaria de se desfazer deles. No antigo apartamento, eles ficavam em uma grande biblioteca no escritório, mas não teríamos esse espaço no novo endereço”, descreve. Foi então, pensando no conforto emocional que os livros traziam para ela, que os arquitetos posicionaram eles por toda a volta da sala e sala de tv, “como se fossem um abraço, uma barreira de proteção”.
Outra obra que ela destaca é a do escritório XVV. Claudia conta que é comum o espaço corporativo ser reduzido e toda a área é vista pelo empresário como local para uma mesa de trabalho. Em seus projetos, a arquiteta tenta focar no espaço de descompressão e, às vezes, mesmo reduzido, tem uma função importante na produtividade. “Delimitamos uma área com uma copa para esses momentos. O gradil aéreo, preenchido com plantas, trouxe a questão da biofilia para o espaço”, detalha.
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