*Por Afonso Celso Vanoni de Castro, professor no curso de graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
Nesse Dia Mundial da Água (22 de março), queremos trazer reflexões sobre a questão do uso e da conservação dos recursos hídricos pela construção civil, analisados não exatamente por meio dos processos construtivos e produtivos aplicados atualmente, mas pelo envolvimento do setor no contexto das políticas de proteção socioambiental. É fundamental reconhecer e mensurar o valor da água, para incorporá-la na tomada de decisões, com vistas a uma gestão sustentável dos recursos hídricos e atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas.
Entre os setores produtivos, a indústria da construção civil, ao mesmo tempo que promove crescimento econômico, é um grande consumidor de recursos naturais, renováveis e não renováveis (minerais, madeiras e fibras). Seja pelo consumo direto, ou pelo uso de energia elétrica, cuja principal matriz nacional são das hidrelétricas, a Construção Civil (CC) consome muita água em suas diversas etapas, desde a produção de insumos e produtos, passando pela execução das obras e, posteriormente, no uso e funcionamento das edificações. E ademais, é um dos setores que mais gera uma grande quantidade de resíduos. Para promover o desenvolvimento sustentável, o setor da construção, desde os anos 1990, passou a adotar o conceito de sustentabilidade por meio do desenvolvimento de métodos de gestão dos recursos e no desenvolvimento de produtos ambientalmente responsáveis.
A fonte de toda a água é o meio ambiente e esse recurso essencial tem seu consumo aumentado e ameaçado pelo comprometimento de sua qualidade e pela redução e desperdício de seus estoques. Segundo dados da The Food and Agriculture Organization (FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, em inglês, da ONU), em 2021 havia mais de 2 bilhões de pessoas submetidas a um regime de estresse hídrico, considerando como disponibilidade mínima desse suprimento 50 a 100 litros por dia por pessoa. Portanto, a estreita relação entre os processos produtivos das sociedades humanas e o meio ambiente precisa ser administrada de forma proativa para enfrentar os desafios hídricos por meio das chamadas “soluções baseadas na natureza”, para oferecer segurança hídrica para toda a população.
Seus usos nas cidades são múltiplos do abastecimento e saneamento à geração de energia. Para os setores da indústria e empresas, a água é considerada tanto como um recurso que envolve custos de captação e consumo, quanto um passivo que exige tratamento sujeito a penalidades regulatórias. Nesse sentido, as empresas tendem a se dedicar na economia operacional e nos impactos de curto prazo nas receitas, dando menos atenção ao valor da água em termos de capital natural, risco financeiro, crescimento e negócios futuros e inovação.
O aumento dos custos, os ganhos e as perdas financeiras relacionadas à escassez hídrica são significativos. Os riscos associados à redução da disponibilidade de água, à ruptura da cadeia de abastecimento, à interrupção do abastecimento e as restrições ao crescimento, estão também relacionados aos efeitos das inundações e das mudanças climáticas. Mas como as ações na escala dos sistemas naturais de recursos hídricos envolvem custos mais altos, as empresas tendem a atribuir exclusivamente ao Estado essas responsabilidades, ainda que seja crescente a conscientização sobre os benefícios potenciais que a gestão sustentável dos processos produtivos promovem nesses sistemas. Para isso, a cadeia produtiva tem que superar essa abordagem essencialmente monetarista dos processos que envolvem o uso e a gestão da água e pensar em previsão, provisão e envolver-se diretamente com ações proativas no que se refere à questão hídrica.
Assim, ainda que a cadeia produtiva da construção civil venha desde 2007, com a criação do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, que desenvolve ações e normativas promovendo o uso e o consumo adequados da água pelo setor, por meio das adequações dos processos construtivos preconizados pelo selo de certificação AQUA, e tenha promovido a difusão de guias orientativos com normas de conservação de água, fontes alternativas, dentre outras ações, há muito que se avançar. Sendo o setor que consome grande parte de material inerte de origem minerária e responsável pela construção de grandes infraestruturas de saneamento e de abastecimento de água potável, a indústria da CC tem um compromisso na escala ambiental, muito mais amplo nos processos de transição das tecnologias que envolvem todas as dimensões de sua cadeia de produção. Para se avaliar como há paradigmas tecnológicos básicos a serem explorados, apenas no tocante ao processo de produção do concreto, de longe a tecnologia mais utilizada pela indústria de construção nacional, a produção de cada metro cúbico consome de 160 a 200L de água, ou seja, muito mais que o consumo mínimo previsto para uso humano.
No tocante à produção de energia, os vários alertas sobre a ampliação dos episódios de crise hídrica levaram a indústria de produção de energia a investir no desenvolvimento de fontes de energia limpas e renováveis como a eólica e solar, demonstrando como é possível e economicamente viável atuar com a natureza protagonizando esses processos. Que lições a indústria da CC pode extrair dessas experiências?
Vemos, especialmente, o segmento de infraestrutura de saneamento e abastecimento com oportunidades históricas de levar à frente processos profundamente transformadores ao aliar-se às chamadas infraestruturas naturais, adotando soluções baseadas na natureza para promover não apenas o abastecimento, mas a conservação dos sistemas produtores e das redes hídricas.
Essa gestão deve considerar, nos processos de planejamento e nas tomadas de decisões por parte de concessionárias e poder público, não apenas custos diretos e indiretos, mas os custos sociais e ambientais, grosso modo, tratados como externalidades.
Há a necessidade de planejar as obras tradicionais de infraestrutura cinza, considerando também as dinâmicas da natureza incorporadas em infraestruturas verdes, atuando como agente no processo de gestão dos recursos hídricos. É preciso avançar para além dos estudos e cálculos hidrometeorológicos que subsidiam análises econômico-financeiras, ou dão apoio a ações de interesse político imediato – as obras eleitoreiras –, mas participando diretamente da produção natural e da conservação das águas.
São inúmeros os estudos e várias as experiências aplicadas que demonstram como a restauração de florestas pode reduzir o estresse hídrico e ainda economizar recursos do Estado a serem investidos no atendimento das amplas demandas das populações urbanas vulneráveis, ao invés de serem destinados às grandes obras de infraestrutura de armazenamento de água ou controle de enchentes. Florestas saudáveis em qualquer parte do mundo filtram a água, reduzem a poluição por sedimentos e servem como um mecanismo tampão contra secas e inundações, e ainda geram processos evaporativos que produzem chuva.
Portanto, neste Dia Mundial da Água, convocamos os leitores e gestores da indústria da CC, que reflitam além das lógicas tradicionais ou das soluções padronizadas que já demonstraram seus limites. Precisamos de avanços consistentes e tendo a natureza como parceira e não como uma adversária a ser dominada e subjugada.
Fonte: Assessoria de Imprensa Instituto Presbiteriano Mackenzie
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