No seu livro “Curadoria: o poder da seleção no mundo do excesso”, o escritor Michael Bhaskar define curadoria como usar atos de seleção e organização (mas também refinar, reduzir, exibir, simplificar, apresentar e explicar) para agregar valor. Ao longo do tempo, à medida que a definição se transforma, a prática da curadoria continua a evoluir, desempenhando o papel de cuidadora de nosso ambiente construído.
No início do século XIX, o Barão Dominique Vivant Denon foi o primeiro diretor do renomado Museu do Louvre. Ele herdou um grande excesso de arte sob o domínio de Napoleão, uma quantidade que não poderia preencher os vastos salões do museu. A primeira tarefa de Denon foi organizar a coleção e, por meio dos temas da cronologia e das escolas nacionais, ele conseguiu encontrar uma lógica para cada obra de arte e seu lugar no museu. Transformando a instituição em um museu de classe mundial, Denon é o primeiro curador como entendemos a palavra hoje.
A prática curatorial hoje vai muito além das exposições de arte tradicionais, incluindo formas de eventos e plataformas culturais. Na verdade, a prática da arquitetura se estende para fora de seus limites, transformando-se às vezes em curadoria e vice-versa. Essa visão multidisciplinar da nova era refere-se ao envolvimento de um arquiteto em diferentes campos, desde planejamento urbano, paisagismo, redação, curadoria e papéis que vão muito além dos limites tradicionais da arquitetura.
Hoje, a curadoria pode ser vista como uma forma de construir narrativas. Com base na compreensão de Bhaskar sobre o mundo de excesso, a curadoria pode ser entendida como um canal para contar histórias significativas para as massas. Por meio de uma curadoria cuidadosa, o papel pode moldar como os seres humanos contextualizam as histórias. Além disso, a prática pode dar valor a histórias de outra forma negligenciadas ou lançar luz sobre partes de culturas que não foram contadas com cuidado.
CURADORES
Lesley Lokko
Em entrevista ao ArchDaily, Lesley Lokko define a curadoria como uma forma de contar histórias. Como escritora de ficção, ela acredita que “a cultura é a soma de histórias sobre nós mesmos que contamos a nós mesmos”. Lokko é a curadora da La Biennale di Venezia deste ano, uma das mais antigas e prestigiadas exposições internacionais de arte e arquitetura do mundo. Este ano, o tema da Bienal, definido por Lokko, é “O Laboratório do Futuro”. O tema considera o continente africano como protagonista do futuro, “o único lugar onde todas essas questões de equidade, raça, esperança e medo convergem e se unem”.
Søren Pihlmann
Søren Pihlmann é o fundador e arquiteto-chefe da Pihlmann Architects, um jovem escritório de arquitetura sediado em Copenhague, capital da Dinamarca. Em entrevista ao Louisiana Channel, Pihlmann afirma claramente que sua prática deixou de ser a de um arquiteto tradicional para se tornar um “tipo de curador, selecionando pouquíssimas coisas com grande sensibilidade".
Sumayya Vally
Este ano foi realizada a primeira Bienal de Artes Islâmicas, dirigida pela arquiteta Sumayya Vally, em Jeddah, na Arábia Saudita. O evento teve curadoria parcial de Vally, ambientado no Terminal Western Hajj do Aeroporto King Abdulaziz, projetado por Skidmore, Owings & Merrill. Em entrevista ao ArchDaily, Vally expressa que “existe uma definição herdada da arte islâmica que vem da França do século XVII, e as artes islâmicas foram continuamente definidas e redefinidas… mas nunca foram realmente definidas por nós, a partir de nossas perspectivas.”
Em conclusão, as práticas de curadoria e arquitetura multidisciplinar se cruzam de maneiras poderosas. Os seres humanos podem moldar sua compreensão de si e do mundo por meio das escolhas feitas na curadoria do ambiente construído, reinterpretando narrativas históricas e assumindo posições cautelosas no presente. A prática lança luz sobre nossas narrativas, separando coisas que muitas vezes foram negligenciadas ou encorajando novos métodos de pensar sobre nossas histórias e produção cultural, em geral. O curador pode trabalhar em muitas escalas diferentes, mas o que é comum é uma seleção cuidadosa de expor e explicar conceitos em um mundo de excessos com absoluto cuidado e preocupação.
Em pequena escala, arquitetos como Søren Pihlmann demonstram curadoria ao decidir o que é visível ou oculto, o que é o primeiro plano ou o segundo plano de um edifício por meio da contextualização da materialidade. Essa forma de curadoria molda nossa experiência do espaço, afetando nossas percepções e interações dentro dele. Outra escala de curadoria envolve revisitar narrativas passadas, como exemplificado por Sumayya Vally. Por meio de uma curadoria cuidadosa, as histórias podem ser recontadas, reformuladas e explicadas sob novas luzes para modificar e transformar a compreensão atual delas.
Fonte: ArchDaily
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